Ubirajara Raffo Constant gentileza de Carlos Bolli Mota Ali na porta do rancho, junto ao cusquito nervoso, o velho guasca orgulhoso olhava o filho partir. Também desejava ir com a mesma disposição, levando a lança na mão, p'ra se unir aos farroupilhas e pelear pelas coxilhas em defesa do rincão.
Porém já velho e arquejado perdera a força no braço, tinha no lombo o cansaço do peso de muitos anos, mas era um dos veteranos com orgulho do passado, por ter a lança empunhado combatendo os castelhanos.
Que gana tinha de ir, aquele velho guerreiro, de novo para o entrevero como gaúcho pelear, mas ficava a se orgulhar que embora velho e cansado tinha um filho ja criado partindo no seu lugar.
E ali na porta do rancho, cheio de orgulho e pesar, viu o filho se afastar com garbo e disposição, montando um flor de alazão, o laço preso nos tentos, o poncho revoando ao vento e a lança firme na mão.
Depois, com a estrada deserta, a noite foi se chegando, o pampa foi silenciando nas grotas e nos banhados e o velho guasca cansado no catre foi se arrimando, em silêncio memoriando entreveros do passado.
Assim, a poeira dos dias cobriu o catre vazio do paisano que partiu do rancho para a guerrilha, levando na alma caudilha de guasca continentino, a fibra, a glória e o tino de campeador farroupilha.
Já muitos dias depois um xirú trouxe a notícia: - A farroupilha milícia em que seu filho marchou peleando se dizimou. Morreram mas não recuaram e entre os bravos que tombaram dizem que o moço ficou.
Num sentimento profundo o velho ficou calado, mas o seu rosto enrugado não pode a dor esconder, deixando livre correr, do fundo da alma ferida, uma lágrima sentida que ele não pode conter.
Tristonha caiu a noite e mais triste a madrugada. Latia ao longe a cuscada, na quincha gemia o vento, e sem dormir um momento, ali no catre estirado, o velho ficou atado na soga do pensamento.
Lembrou o filho em criança correndo o pampa em retoço, a melena em alvoroço soprada ao vento pampeano. Recordou ano por ano até que o piá ficou moço e ali da porta do rancho partiu p'ra revolução, montando um flor de alazão,o laço preso nos tentos, o poncho revoando ao vento e a lança firme na mão.
Estava assim recordando, quando lá fora um gemido lhe fez apurar o ouvido e despertar-lhe a atenção. E quando ouviu uma mão, naquela hora tão morta, forcejar de encontro a porta como querendo arrombá-la, sua visão ficou clara, voltando-lhe a luz e o brilho; num ímpeto caudilho a porta abriu com vigor e estarreceu-se de horror ante a figura do filho.
Cambaleante, ensangüentado, as vestes feitas em frangalhos, o corpo cheio de talhos dobrado pelo cansaço, já sem força em nenhum braço, já sem poder ver direito, e com o meio do peito aberto por um lançaço.
Fitando os olhos do filho o velho ficou calado. Estarrecido, espantado, vendo-o ali em sua frente. Então gritou gravemente: - Meu filho, por que voltaste? Por que? Por que não tombaste onde tombou nossa gente? Maldito sejas, covarde, tu já não és mais meu filho! Não tens o sangue caudilho, não agüentaste o repuxo, deixaste teus companheiros, fugiste dos entreveros, tu já não és mais gaúcho!
Então a face do guasca que peleando não tombou, como um lançaço estampou a ira do coração. Prostrando-se rudemente, naquele gesto inclemente, desfalecido no chão, o moço sentindo a morte roubar-lhe o sopro da vida, com a alma triste e ferida, ali prostrado no chão, sem rancor no coração olhou para o pai a seu lado, e já num último brado fez a brava confissão:
- Meu pai, eu não fui covarde, honrei meu poncho e minha adaga, fiquei coberto de chagas mas agüentei o repuxo. Fui valente, fui gaúcho, peleei com todo o ardor, e se aqui vim escondido foi p'ra salvar do inimigo o pavilhão tricolor.
Abrindo a camisa ao peito, tirou em sangue banhado aquele trapo sagrado que até o fim defendeu, e beijando-o estendeu ao pai, num último esforço, e depois, curvando o dorso, o bravo guasca morreu. |
bah véio, tiro o meu chapeu pra esse texto
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